Tempos de Assombro e Ruptura

Arte do flyer: Erico Pernetta

A Maumau recebe três lançamentos da editora paulistana n-1 , com a presença de Peter Pál Pelbart, filósofo e coeditor dos livros.

A  Galeria Maumau recebe, na sexta 18 de outubro, a partir das 19h, o lançamento no Recife de três  livros da n-1 edições:   Rutpura (do coletivo anônimo Centelha); Ensaios do Assombro (de Peter Pál Pelbart) e Às voltas com Lautreamont, de Laymet Garcia dos Santos.

Fundada em 2011, a n-1 edições chegou ao cenário editorial através da produção de livros-objeto  numa área transdisciplinar, entre a filosofia, o teatro, a estética, a literatura, a antropologia e a política, abordando os problemas contemporâneos de maneira plural e aguda, relançando-os em novas direções. 

A partir das 20h a cineasta e pesquisadora Mariana Porto irá conversar com Peter Pál Pelbart sobre o novo livro, Ensaios do Assombro, assim como mediar esse bate-papo com o público presente.. Além disso, uma ação sonora coletiva acontecerá em um dos ambientes da galeria.

Comidinhas e bebidas do Mamas Bar Lar e músicas trazidas por Abel Alencar,  Caetano Costa e Guto Conde.

Um pouco sobre cada livro

RUPTURA

Centelha (coletivo anônimo)

Nossa democracia não está no passado, pois ela não pode estar onde nunca existiu. O fascismo sempre foi a reação desesperada contra a força de uma revolução iminente no horizonte. Se ele voltou agora é porque o chão treme, é porque as fendas estão por toda parte. Ouçam como treme o chão, como há algo que quer atravessar o solo. Não nos deixemos enganar novamente, vivemos uma contrarrevolução preventiva que não temerá nenhum nível necessário de violência para nos calar, que rasgará todos os disfarces para agir mais livremente. O momento é mais decisivo do que alguns gostariam de acreditar. Só governos fracos são violentos, eles têm de vigiar todos os poros, pois sabem que seu fim pode vir de qualquer lugar. O que se contrapõe a nós é fraco e desesperado. Ele cairá. É hora de fazê-lo cair.

ENSAIOS DO ASSOMBRO

Pater Pál Pelbart

O culto da força e da vitória, da hierarquia e do comando, da propriedade ou do Estado, implica na defesa de uma forma de vida exclusiva e excludente. É nas antípodas disso que seria preciso tornar a ouvir o termo vida. Para ficarmos numa formulação feliz de Lapoujade: não permanecer na fraqueza de cultivar apenas a força, porém ter a força de estar à altura da própria fraqueza. A vida assim concebida é justamente aquela que “escapa” à modulação biopolítica e à tanatopolítica que lhe é correlata. Para retomar termos já conhecidos, trata-se de uma vida não-fascista. Mas como reativá-la na atual conjuntura?

É preciso reconhecer, antes de tudo, que uma movimentação de placas tectônicas nos últimos anos colocou em xeque de modo irreversível hierarquias tradicionais de raça, gênero, espécies, saberes, culturas. Não espanta que isso tenha suscitado crispações morais e religiosas as mais reativas. Contudo, ao lado do assombroso tsunami político daí resultante, novos modos de persistência aparecem, com laivos de êxodo ou desconexão, desmontagem e destituição, revelando linhas de força e de fuga antes desconhecidas. Por mais que a reação política, midiática, jurídica tenha tentado calar ou esmagar tais manifestações dissidentes, elas perfazem uma trajetória e deixaram no ar vários signos e vestígios que este livro se propõe a acompanhar

ÀS VOLTAS COM LAUTREAMONT

Laymert Garcia dos Santos

Há entretanto aqueles que escrevem para aceder ao silêncio e não para expressar-se, para curto-circuitar o pensamento e não para pensar, para desaparecer e não para aparecer. Escrever torna-se atividade que se exerce em outra dimensão, escrever é o movimento de um sopro, que se funde, se confunde com sua fonte, que é vida, isto é, poesia em ação. Escrever, então, escapa à literatura e aos profissionais da expressão, escapa à lei e à culpabilidade.

Tais homens, a que a rigor a tradicional noção de autor nem mais se aplica, deixam obras desconcertantes. 

A regra é a literatura, a regra é o caso dos homenzinhos que gostam de escrever. Há uma exceção que se subtrai às regras. Como perceber a exceção se não é possível considerá-la nos termos a que nos habituaram a literatura e a crítica? Num curto texto sobre Lautréamont, Henry Miller sugere uma via: a análise dos ingredientes e da construção da obra não ensinam nada. “Alguém crucificou-se: isso é o que conta”. Crucificou-se, assumiu o mal em toda a sua extensão e diversidade, no momento em que o mundo inteiro degringolava – embora ainda secretamente, no inconsciente. Alguém crucificou-se deixando, na expressão de Miller, uma bíblia negra, onde se lê: “Não estamos mais na narração. […] Ai! agora chegamos ao real, no que diz respeito à tarântula.”

Sobre a n-1 edições

“Um livro tem que ser como um machado para quebrar o mar de gelo que há dentro de nós.” Franz Kafka, carta a Oscar Pollak, 1904

Nossos livros são pequenos torpedos, cuja finalidade é explodir dentro de nós e arrebentar nossa sensibilidade embotada. Só assim seremos capazes de redesenhar nosso entorno, relações, atitudes, emoções. Nossa ambição é devolver ao livro a potência disruptiva que lhe pertence. É resgatar a força do pensamento, e sua capacidade de mover montanhas. Por isso, começamos pela filosofia, mas não aquela, careta, acadêmica, que apenas serve aos poderes instituídos, mas aquela outra, que se alia aos movimentos minoritários do mundo: autistas, esquizos, mulheres, negros, indígenas, prisioneiros, animais, vozes silenciadas. É preciso sustentar a polifonia do mundo, as muitas maneiras de viver que pedem passagem.

Tentamos escapar dos circuitos perversos, que transformam livros em mera mercadoria.

Por isso, nossos livros acontecem e são lançados sobretudo em eventos em que mesclam falas, filmes, performances, música – em suma, intervenções poético-políticas vivas.

O lançamento desses três livros no Recife, portanto, só poderia acontecer, acontecer na galeria Maumau, espaço que dá passagem a tudo isso.

Sobre o autor e a mediadora

Peter Pál Pelbart: Nasceu em Budapeste, na Hungria, e graduou-se em filosofia pela Universidade Paris IV (Sorbonne). Vive em São Paulo, onde é professor titular na PUC/SP, no Departamento de Filosofia e no Programa de Pós Graduação em Psicologia Clinica (Nucleo de Subjetividade). Estudioso de Deleuze, traduziu para o português algumas de suas obras. Escreve principalmente sobre loucura, tempo, subjetividade e biopolitica. Publicou alguns livros. É membro da Cia Teatral Ueinzz e coeditor da n-1 ediçoes.

Mariana Porto: É doutoranda do Programa de pós-graduação em Comunicação (PPGCOM) da Universidade federal de Pernambuco pesquisando jogos audiovisuais para grupos. Diretora, roteirista e professora ligada ao audiovisual. Graduada em Psicologia (Universidade Federal do Ceará, 2002. Possui Mestrado em Artes Cênicas (Universidade Federal da Bahia, 2007), pesquisando o documentário e a alteridade “popular”. ). Dirigiu, roteirizou e montou 3 curtas-metragens de sua autoria e também atua como pesquisadora e roteirista para séries de TV. Participa de diversas comissões de seleção e curadoria de editais e festivais de Cinema. Atua como educadora e coordenadora pedagógica de formações audiovisuais em contextos comunitários e no ensino superior.

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